José Vicente Rajadell é engenheiro mecânico industrial especializado em cálculo de estruturas, conceção de máquinas e docente de estruturas, área na qual foi professor na Universitat Jaume I (2003-2017), é colaborador como professor do Máster Estructuras Metálicas y Mixtas e do Máster Estructuras do CYPE em Zigurat e faz palestras de cursos de especialização em cálculos de edifícios. Durante o mês de outubro e em colaboração com a Demarcació de Lleida del Col-legi d'Enginyers Industrials de Catalunya, deu em conjunto com Miquel Ignasi Latorre, também engenheiro industrial, um curso sobre o CYPE Connect, a aplicação para a análise de ligações complexas em estruturas metálicas com o método de elementos finitos desenvolvido pela CYPE. Falámos com Rajadell sobre a profissão do engenheiro de cálculo de estruturas, os desafios do sector da construção e a formação existente sobre a especialidade de cálculo de estruturas.
Como evoluiu a profissão do engenheiro de cálculo de estruturas nos últimos anos?
Agora utiliza-se muito mais o software para o cálculo em detrimento da forma tradicional. Isto pode ser um problema porque muitas vezes os profissionais perdem ou não chegam a adquirir os conceitos de como funciona uma estrutura. Os técnicos introduzem os dados no computador e consideram certo o que o programa faz, sem fazer um estudo manual de como deveria ser a estrutura, para prever como se vai comportar. Isto dá lugar a projetos nos quais nos deparamos com estruturas conceptualmente mal concebidas. Outra coisa é que os resultados sejam corretos.
A tecnologia facilitou muito o trabalho, mas o conhecimento do técnico continua a ser prioritário. …
Efetivamente. A tecnologia é uma grande ajuda para quem sabe e um perigo para quem não sabe. Por isso, deve haver conhecimento por detrás do profissional. O lado negativo da tecnologia é que ela alargou o espectro de técnicos que se sentem capazes de calcular estruturas porque o software o torna tão fácil. Alguns não têm a capacidade de interpretar se os resultados do programa são corretos ou incorretos. Antes, a pessoa que calculava as estruturas tinha conhecimentos profundos. Agora todos se atrevem a fazer um edifício. Do meu ponto de vista, é preciso conhecer os fundamentos para interpretar os resultados e saber como funciona o software, o que vai ajudar a saber até onde a aplicação é capaz de ir, pois o software não tem soluções para todos os casos.
Do seu ponto de vista, um engenheiro de cálculo de estruturas é a mesma coisa que um modelador-projetista de estruturas?
Para mim não é a mesma coisa. Um modelador é como um desenhador avançado que modela a estrutura e deve ter conceitos sobre como fazê-lo, mas não tem um conhecimento profundo de como a estrutura funciona. Por seu lado, o engenheiro de estruturas é aquele que verifica que esta resiste. Se for possível juntar as duas coisas numa só pessoa, isso é perfeito, mas chegamos uma altura em que esta combinação de funções não é rentável em certos projetos.
Como é que a estética e a funcionalidade se inter-relacionam no cálculo de estruturas?
Esta é uma luta constante. Tanto nas estruturas como nas ligações, por exemplo, há alturas em que se concebe dando prioridade à estética. Deve-se procurar que a estética coincida com a função.
Que conclusões tirou desta luta?
Que se podem conseguir as duas coisas. Além disso, devemos considerar que a funcionalidade também é estética e bela. O objetivo é encontrar a solução mais segura, que cumpra o regulamento, a um menor custo e que seja o mais estética possível. Um equilíbrio de tudo.
Ao longo da sua carreira profissional, trabalhou e colaborou com diferentes perfis profissionais. Quando realiza o cálculo estrutural de um edifício cujo projeto arquitetónico já recebeu, com que situações se deparou?
Depende do perfil do técnico que realizou o projeto arquitetónico. A diferença existente entre a conceção de um arquiteto com fundamentos estruturais e o elaborado por outro profissional sem os mesmos é muito grande. Quando é feito por um técnico com conhecimentos estruturais, o cálculo da estrutura é muito simples e coerente. O autor do projeto já tinha posicionado os pilares, pensando não só na distribuição interior e dispondo os pisos, mas também colocando os pilares na sua correta posição e tentando que se ajuste à estrutura. Noutros casos, deparei com projetos em que os pilares não estavam bem posicionados e não faziam sentido.
E como atua nessas situações?
Nós profissionais "salvamo-lo" como podemos ou modificamos o trabalho nos casos mais conflituosos. No entanto, também se deve ter em conta que existem situações em que as parcelas de terreno, pelo seu espaço, são o que condiciona a conceção. E é aí que o engenheiro de cálculo de estruturas, em função dos seus conhecimentos, pode introduzir a estrutura e interpretar os resultados do programa da forma adequada, sabendo se o está a fazer corretamente ou se deve encontrar uma conceção estrutural mais segura.
No que diz respeito à utilização de materiais sustentáveis, está a chegar às estruturas?
O aço já é todo reciclado. Se olharmos para o seu ciclo de vida, já vem principalmente reciclado. O betão está a começar a ser reciclado. De qualquer modo, eu (o engenheiro de cálculo de estruturas) normalmente não escolho o material. Apresentam-nos uma estrutura e dizem-nos como a querem. E em ambientes industriais, o que se utiliza são as estruturas de betão, metálicas ou mistas.
Quanto à utilização de outros materiais como a madeira, penso que a utilização dependerá de cada caso. É preciso ter em conta que Espanha tem, acima de tudo, pedreiras, pelo que penso que a madeira será utilizada em projetos específicos, uma vez que o país não possui florestas para fornecer este material a um custo coerente. E trazer de fora pode sair mais caro do que utilizar o betão das pedreiras que temos. Por isso, acredito que a madeira poderá ser utilizada em projetos específicos, em habitações unifamiliares, mas não como uma solução generalizada. Não podemos utilizar a madeira como os suecos, tal como eles não poderão usar o betão como em Espanha, porque não têm pedreiras.
E acredita que a utilização do aço para as estruturas se tornará generalizada em Espanha?
Em Espanha, fazem-se edifícios de betão armado porque são mais baratos do que os edifícios de aço ou de madeira. Para naves industriais, são utilizadas tanto estruturas metálicas como de betão, que existe muito pré-fabricado. Quando o preço do betão pré-fabricado se tornou competitivo em relação ao do aço, começou a impor-se no sector industrial.
Mas há também outro fator quando se trata de utilizar um ou outro material no caso das naves industriais. O objetivo destas construções é desenvolver uma atividade e quanto mais cedo estiver operacional, mais cedo começará a produzir e a faturar. Na indústria, o material e o tipo de estrutura são muitas vezes condicionados pelo período de execução. No caso de utilização residencial, não há grande problema se for entregue quatro meses mais tarde, uma vez que durante a construção os promotores dedicam o tempo a vender as casas.
Nos últimos anos tem-se falado muito de construção industrializada. Tem participado em vários projetos baseados neste tipo de construção. Que balanço faz?
Fiz desenvolvimentos com Light Steel Framing (LSF), com perfis tubulares e também de edifícios de tipo contentor. O receio que tenho em relação à construção industrializada é que há muitos aventureiros e pessoas sem conhecimentos. Por isso, aconselharia os promotores e profissionais a terem muito cuidado e a saberem com quem estão a contratar. A construção industrializada não é montar “pladur”. Requer um grande conhecimento dos pormenores de construção, de solucionar ligações e de saber quantos parafusos devem ser colocados. Isto é muito importante. Não é suficiente resolver casos com "pequenos parafusos".
E tem vantagens em relação ao sistema tradicional de construção?
É um sistema que pode ser mais rápido, mas não sei se chegará a impor-se como solução definitiva. Há construção pré-fabricada em betão, em LSF, em madeira... Dentro da construção industrializada existem diferentes materiais e tipologias, pelo que vejo esta forma de trabalhar como uma solução mais para determinados casos. Como solução geral para tudo, penso que não chegará a impor-se porque tem limites.
A importância da formação no cálculo estrutural
Para além do seu trabalho como engenheiro de cálculo de estruturas, é também professor e formador. Quais crê que são os pontos fortes e as carências da universidade na formação da conceção e cálculo de estruturas?
Em Espanha, dispersou-se muito o conhecimento. Tenho a sensação de que se pretendeu abarcar muito e há demasiadas disciplinas. Pensando na especialidade das estruturas, daria mais ênfase à Física do primeiro ano. Penso que os conceitos físicos da mecânica clássica devem estar gravados nos alunos. Deparei-me com alunos do 4º ano ou de Mestrado sem uma boa base em Física, o que os impedia de compreender o que estávamos a fazer na aula.
Além disso, penso também que é importante que a disciplina de Física seja ensinada por pessoas com um grau semelhante ao que os alunos estão a estudar. A mim a Física foi-me dada por um engenheiro mecânico industrial e ele sabia o que eu iria precisar dela mais tarde no meu trabalho. O professor já nos estava a preparar para o nosso futuro laboral, enquanto que se a disciplina for ensinada por um físico, o mais provável é que este não saiba calcular estruturas e se centre em pontos que não são tão relevantes para o cálculo estrutural.
Os profissionais espanhóis, em comparação com outros países, abarcam mais especialidades do que as recomendadas?
Temos de ter em conta que em Espanha, tradicionalmente, o tipo de técnico de que precisávamos não era tão especializado como o da Alemanha, França ou Inglaterra. Aqui, se uma indústria tinha um engenheiro, tinha de servir para tudo: calcular uma instalação elétrica ou uma viga. Mais grave ainda é o que acontece com os engenheiros agrónomos, que têm de servir tanto para saber quando regar hortaliças, como para fazer a nave da cooperativa. Há engenheiros agrónomos com competências para fazer as duas coisas. Como é que se forma uma pessoa assim? O conhecimento já chegou a um ponto em que um profissional não pode ser um homem do Renascimento e saber de tudo: é necessário especializar-se.
E as universidades oferecem esta especialização de uma forma adequada?
Creio que os planos de estudos atuais começam a especialização tarde. Comecei a minha especialização do 4º ao 6º ano, tendo três cursos de especialização num curso de seis anos. Atualmente, uma graduação tem quatro anos mais o Mestrado, que pode ser de um ou dois anos, o que me parece pouco tempo.
Curso de CYPE Connect sobre ligações aparafusadas
Relacionado com a formação, em outubro ofereceu um curso sobre ligações aparafusadas de elementos finitos com o CYPE Connect. Qual foi o objetivo deste curso?
Pretendemos que os alunos que terminem o curso dominem e saibam utilizar a ferramenta. O curso é dirigido a pessoas que já calculam estruturas ou que receberam formação de estruturas, de resistência de materiais, teoria de estruturas e estruturas metálicas. Têm um conhecimento prévio. Nas aulas vamos ensinar a utilização do programa e também a nossa experiência no cálculo das ligações para que saibam porque se faz de uma maneira e não de outra, vendo os resultados de o fazer de uma forma ou de outra. O objetivo é que eles compreendam como as ligações ou a modificação de uma delas influem no comportamento da estrutura.
Que vantagens tem a utilização do CYPE Connect em relação a outras soluções do mercado?
Uma vantagem sobre qualquer outra ferramenta do mercado é a ligação com programas de cálculo e esforços como o CYPE 3D. Graças a esta ligação, o técnico que faz uma modificação vê como a comunicação entre os dois programas é atualizada de forma automática. Pode-se modificar as cargas e importar os novos esforços automaticamente e voltar a calcular. Com outros softwares, isto não é possível. É necessário utilizar programas de diferentes fabricantes e as empresas envolvidas no projeto comunicam com um ficheiro de cada ligação, o que significa que no final se está a trabalhar com 50 ficheiros diferentes. E se modificar um deles, os outros já não servem. O que no CYPE é trivial noutros exige um trabalho bastante laborioso com folhas de cálculo.
Outra vantagem do CYPE é o módulo de desenhos. O profissional pode gerar um modelo atualizado com desenhos dessa ligação, o qual pode ser incluído no seu projeto e ter mais pormenores. E além disso, tem outra vantagem: pode-se importar a ligação em formato 3D e qualquer utilizador pode ver a ligação, o que evita mal-entendidos na obra.
Quais são, segundo a sua experiência profissional, os problemas mais frequentes na altura de conceber e calcular as ligações estruturais?
Um problema comum é que o técnico trabalha com muita pressa e não presta atenção ao pormenor. Deve-se ter em conta que o pormenor ao qual não prestamos atenção durante a fase de projeto terá de ser resolvido depois na obra. Isto é muito problemático. Se o técnico estiver lá e estiverem também os meios, é possível dar as instruções corretas e resolvê-lo. Mas o nosso trabalho não é estar na obra todos os dias. Vamos com frequência, mas não estamos lá. A solução, além disso, tem de ser rápida porque não se pode parar a obra. Durante a fase de execução, pode acontecer qualquer coisa se o trabalho não for bem planeado, adotando medidas contraproducentes que poderiam arruinar todo o cálculo prévio. Por isso, é importante prestar atenção aos pormenores na fase de conceção para minimizar ao máximo os problemas durante a obra.
Isto é precisamente o que a construção industrializada trata de evitar. É aqui, como mencionei anteriormente, que tem uma vantagem competitiva, porque se tudo for bem feito na fase prévia, não há necessidade de atuar na obra, ou atuar minimamente, o que deixa menos margem para cometer erros.
O CYPE também permite a exportação do ficheiro em formato DSTV e STEP para que as fábricas possam fabricar as ligações facilmente. O que pensa desta opção?
É um bom recurso, mas as fábricas ainda precisam de subir um escalão do ponto de vista tecnológico. A indústria precisa de se tornar mais capaz na utilização de software porque a maioria não dispõe da tecnologia para ler esta informação digital, uma vez que continuam a trabalhar com programas simples e não tiram partido destas inovações.
Segundo a sua experiência, a nível de conceção e cálculo estrutural, as ligações de estruturas (quer sejam metálicas ou mistas) são agora mais complicadas do que eram há décadas? Porquê?
O trabalho é mais complicado porque sabemos mais e porque queremos ter mais coisas sob controlo. O nosso trabalho é mais complicado agora do que era há 20 anos, tal como era mais difícil há 20 anos do que há 70 anos. Cada vez sabemos que há coisas que influem no projeto, queremos calcular e obter mais informação sobre a ligação (resistência, rigidez...) e coisas que antes não considerávamos, agora queremos tê-las controladas. Devido à enorme quantidade de informação com que trabalhamos, já não vale o engenheiro para tudo. Não se pode saber tudo.
O impacto do BIM na construção
É um profissional independente, pelo que está habituado a integrar equipas de trabalho multidisciplinares e internacionais. Como é que a metodologia de trabalho do BIM o tem afetado?
Em diferentes projetos estamos a começar a receber ficheiros em formato IFC. São projetos de obras muito importantes e projetos singulares. Até agora, não tínhamos recebido informação nestes formatos, provavelmente porque não somos considerados como um fornecedor integrado neste fluxo de trabalho.
Há algum problema no fluxo de trabalho do BIM?
Com o IFC, conforme me foi possível perceber, temos um problema. Utilizamos um software industrial nas obras e um software de construção. E há problemas de compatibilidade entre eles, uma vez que a indústria está à frente. Outra desvantagem é que muitos dos atuais IFCs são gerados pelo Revit e não estão bem, o que dificulta que outros programas possam ler a sua informação.
Algo mais?
Sim, o problema das licenças temporárias ou de aluguer é um problema urgente. Eu, como profissional, não quero trabalhar com um software de autor. Não quero que o formato de uma marca seja o standard e ter de "passar" por ele na altura de trabalhar através da compra de uma licença de aluguer que minimiza as minhas opções profissionais. Estas ofertas de aluguer significam que o técnico, se não tiver projetos que lhe proporcionem rendimentos, não pode alugar a licença e, portanto, não tem a opção de arrancar o programa e abrir os seus projetos elaborados no passado para os rever ou para qualquer coisa.
Esta opção de aluguer pode ser uma opção interessante para as grandes empresas, mas para uma PME ou para os profissionais independentes não o é. Eu quero comprar a minha licença "perpétua" que, com uma determinada versão, poderei utilizar sempre no futuro e abrir a obra que calculei há algum tempo com a respetiva versão.